Compreendendo o Enigma do EACOP: Uma História de Duas Narrativas na África Oriental
Rehema Peter, ativista climática, fundadora da organização Partnership for Green Future (Tanzânia).
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O projeto do Oleoduto de Petróleo Bruto da África Oriental (EACOP), uma proposta de um oleoduto de 1443 quilómetros aquecido, isolado e enterrado, tornou-se um ponto focal de discórdia em toda a África Oriental. Enquanto quem o propõe, defende-o como uma vantagem económica, e quem a ele se opõe levanta preocupações ambientais e sociais, surge uma narrativa profunda. Este conto, com duas perspetivas, estimulou um movimento liderado por ativistas da África Oriental, introduzindo um discurso matizado que navega num delicado equilíbrio entre progresso e sustentabilidade.
Os e as defensoras da proposta encaram o EACOP como um farol para o desenvolvimento económico no Uganda e na Tanzânia, prometendo a criação substancial de empregos, o aumento das receitas governamentais e uma menor dependência do petróleo importado. O potencial de milhares de milhões de dólares em receitas e a criação de milhares de empregos constituem perspetivas atraentes para os países envolvidos.
Por outro lado, os e as oponentes pintam um cenário diferente, enfatizando as potenciais consequências ambientais. A trajetória do gasoduto – através de ecossistemas sensíveis, incluindo o Parque Nacional Murchison Falls e a Bacia do Rio Wami-Ruvu -, suscita apreensões sobre deflorestação, perturbação da vida selvagem e poluição da água. Quem critica o projeto argumenta que os ganhos económicos podem vir à custa de danos irreparáveis ao património natural da região.
Face a estas narrativas contrastantes, as e os ativistas da África Oriental emergiram como fortes opositores/as do projeto EACOP. Organizações como a #StopEACOP tornaram-se a voz do movimento, protestando, apresentando ações judiciais e realizando campanhas de sensibilização pública. A sua principal preocupação é a potencial deslocação de comunidades ao longo do percurso do gasoduto, enfatizando a perturbação dos meios de subsistência, as tensões sociais e a compensação inadequada.
Acompanhando esse discurso, uma mudança de paradigma no sentido de alternativas sustentáveis ocupa o centro das atenções. O impulso global na direção das energias renováveis entra em forte contradição com o projeto EACOP. Quem defende os empregos para o clima propõe investir em tecnologias de energia limpa, como a energia solar e eólica, oferecendo um caminho mais sustentável e equitativo para o desenvolvimento económico.
Os empregos para o clima apresentam uma alternativa promissora aos projetos de combustíveis fósseis, alinhando as oportunidades de emprego com a proteção ambiental e a mitigação das alterações climáticas. Ao adotarem as energias renováveis, os países da África Oriental podem disponibilizar os seus abundantes recursos naturais em benefício de imprescindíveis mudanças energéticas.
A controvérsia à volta do projeto EACOP é multifacetada, envolvendo vários/as intervenientes, interesses e perspetivas. Do ponto de vista do impacto ambiental e social, espera-se que o projeto EACOP tenha efeitos negativos significativos no ambiente e nos meios de subsistência das comunidades locais ao longo da rota do gasoduto. Atravessando sete reservas florestais, dois parques de caça e várias zonas húmidas e fontes de água, representa riscos para a biodiversidade, os ecossistemas e a qualidade da água. O projeto também afeta os direitos fundiários, a segurança alimentar e o património cultural, contribuindo para as alterações climáticas ao aumentar a dependência dos combustíveis fósseis e a emissão de gases de efeito de estufa.
Além disso, o projeto tem sido associado a várias violações dos direitos humanos, tais como a repressão da liberdade de expressão, associação e reunião, intimidação e assédio de defensores/as e ativistas ambientais, e compensação e consulta inadequadas das comunidades afetadas. O governo do Uganda reprimiu as organizações da sociedade civil que se opunham ao projeto, utilizando leis restritivas para suspender as suas atividades, atacá-las e ameaçá-las. A TotalEnergies, a operadora do projeto, foi acusada de não proteger a segurança e os direitos dos defensores dos direitos humanos e de não cumprir as normas internacionais.
Além disso, o projeto EACOP tem enfrentado forte resistência e oposição através de advocacia de atores locais, nacionais e internacionais, incluindo organizações ambientalistas e de defesa dos direitos humanos, grupos comunitários, líderes religiosos/as e legisladores/as. Foram utilizadas diversas estratégias e táticas para desafiar o projeto, tais como ações legais, campanhas públicas, petições, protestos, sensibilização dos meios de comunicação social e investigação. Foram propostas também soluções e visões alternativas para o desenvolvimento sustentável, tais como as energias renováveis e a justiça climática.
Por outro lado, o conceito de empregos climáticos surge como uma alternativa convincente à expansão dos combustíveis fósseis, com o objetivo de criar oportunidades de emprego digno e sustentável em setores que reduzem as emissões de gases com efeito de estufa e aumentam a resiliência climática. Exemplos de empregos climáticos incluem:
A empresa portuguesa Mota-Engil, peso-pesado da bolsa portuguesa, está diretamente envolvida neste mega-projeto petrolífero, tendo sido contratada pela TotalEnergies para preparar as infraestruturas. Infra-estruturas essas que irão ser utilizadas para extração e tratamento industrial do petróleo bruto no Uganda, ponto de partida do EACOP, no quadro do projeto Tilenga Upstream Development.
No quadro dos projetos Tilenga Upstream Development e EACOP, a TotalEnergies prevê a aquisição de 6400 hectares de terras que pertencem a famílias e comunidades. Várias ONG internacionais, inclusive ugandesas, lideradas pela Friends of the Earth estão a processar a TotalEnergies pelas suas práticas de compensação injusta e recurso a intimidações e pressões junto das populações afetadas para aceitarem as transações.
Em inícios de janeiro de 2024, a TotalEnergies lançou uma auditoria externa sobre o processo de aquisição de terras, que será realizada pelo antigo Primeiro Ministro do Benim Lionel Zinsou (que já trabalhou para TotalEnergies no passado através da sua empresa de consultoria Southbridge).
1. Energia Renovável: A Tanzânia, com o seu abundante potencial para fontes de energia renováveis, como a solar, a eólica, a hídrica, a biomassa e a geotérmica, pode criar empregos na instalação, operação, manutenção e distribuição de energia limpa, bem como na investigação e inovação.
2. Eficiência Energética: Investir em tecnologias, aparelhos e infraestruturas modernas e eficientes, tais como redes inteligentes, iluminação LED e edifícios economizadores de energia, pode criar empregos na reabilitação, modernização e monotorização de sistemas energéticos, bem como na educação e sensibilização.
3. Silvicultura e Agricultura: A promoção de práticas sustentáveis, como a agrossilvicultura, a agricultura biológica, a agricultura de conservação e a gestão florestal comunitária, pode criar empregos na restauração, conservação e gestão de recursos naturais, bem como adicionar valor e contribuir para o processamento de produtos florestais e agrícolas.
4. Transporte e Resíduos: A implementação de soluções de baixas emissões de carbono, como transporte público e não motorizado, veículos elétricos, redução de resíduos, reciclagem e compostagem, pode criar empregos no planeamento, construção e operação de infraestruturas de transporte e resíduos, bem como na recolha, triagem e tratamento de resíduos.
A controvérsia à volta do projeto EACOP sublinha a tensão entre desenvolvimento económico e sustentabilidade ambiental. Paralelamente à luta dos/das ativistas contra o projeto, a transição efetiva para a energia limpa apresenta-se como uma alternativa promissora que poderá gerar milhões de empregos, ao mesmo tempo que aborda a necessidade urgente de combater as alterações climáticas. A África Oriental encontra-se numa encruzilhada e as escolhas feitas hoje não só moldarão o seu futuro económico, mas também estabelecerão um precedente para o desenvolvimento responsável e sustentável no continente. O diálogo contínuo em torno do EACOP representa uma oportunidade para a África Oriental traçar um caminho que combine progresso com responsabilidade, criando um modelo para um futuro mais sustentável e resiliente.