Decrescimento

Álvaro Fonseca e Graça Rojão (Rede para o Decrescimento)

Tempo aproximado de leitura: 7 minutos

O decrescimento é, simultaneamente, um conceito e um movimento internacional de natureza política, cultural e prática, que denuncia e critica desde o início dos anos 2000 as bases do modelo socioeconómico dominante, nomeadamente, o crescimento acelerado da produção e do consumo de bens e serviços (medido pelo PIB, Produto Interno Bruto), e a mercadorização global desregulada, como vias principais de satisfação das necessidades e da criação de bem-estar e prosperidade sociais.

A crítica decrescentista, com origens na ecologia política e na economia ecológica da 2.ª metade do séc. XX, resultou não só da constatação das consequências ambientais e sociais nefastas do modelo de desenvolvimento adotado pelos países industrializados do Norte global nas décadas após a 2.ª grande guerra, em grande parte à custa da exploração dos recursos materiais e humanos do Sul global, mas também da necessidade de encontrar ou revalorizar modelos societais alternativos. Resulta também da simples constatação de que o sistema económico é um subsistema da biosfera e de que nos sistemas naturais nada cresce para sempre devido à existência de diferentes limites biofísicos, sendo o equilíbrio ecossistémico baseado em ciclos regenerativos de crescimento, desaceleração e morte, assim como em reciprocidades e interdependências entre todos os seus componentes.

Resumidamente, o decrescimento defende práticas socioeconómicas, voluntárias e coletivamente consensualizadas, que assegurem em simultâneo a sustentabilidade ecológica e a equidade socioambiental, locais e globais, mitigando desejavelmente os efeitos nefastos do modelo socioeconómico hegemónico das últimas décadas. Como tal, o movimento decrescentista rejeita inequivocamente os modelos económicos de matriz capitalista, em todas as suas manifestações e disfarces, pela sua dependência intrínseca do crescimento permanente da produção e consumo de bens materiais e imateriais, na busca do lucro e da acumulação de riqueza. O decrescimento repudia igualmente todas as práticas socioeconómicas baseadas no extrativismo, no produtivismo, na expansão industrial e/ou na globalização imperialista, por vezes levados a cabo por regimes que se denominam socialistas (p.ex., Bolívia, Equador, Venezuela) ou comunistas (p. ex. China).

O movimento decrescentista questiona também as bases do modelo civilizacional ocidental, que estão na génese do paradigma económico dominante e incluem o antropocentrismo, o materialismo, o mecanicismo reducionista, o utilitarismo, a hegemonia tecno-científica e o patriarcado. Põem ainda em causa os principais valores das sociedades crescentistas, capitalistas ou não, como a desmesura, a ostentação, a competição desenfreada, a ganância ou o individualismo atomizante.

Por isso, a mudança que o decrescimento almeja requer uma transformação cultural e social que implica uma descolonização radical do imaginário das atuais sociedades produtivistas e consumistas, assim como a adoção de uma ética económica baseada em valores como a suficiência (auto-limitação), a autonomia (soberania e resiliência) e o cuidado (apoio mútuo). Aquela transformação é incompatível com as agendas internacionais do “desenvolvimento sustentável” (p.ex. os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU), do “capitalismo verde” (p.ex., o Climate Reality Project) ou dos “pactos verdes” (p.ex., o Green New Deal ou o European Green Deal), pretensas soluções económicas para as crises ambiental e social, mas que não põem em causa a sua raiz profunda: a prossecução do crescimento económico e do consumo acelerado de recursos não renováveis, com o consequente agravamento da degradação ambiental e das desigualdades sociais e económicas.

O decrescimento defende outras formas de viver e prosperar economicamente, que terão de acontecer simultaneamente ao nível individual e coletivo, baseadas nos princípios da ecologia (ecodependência e interdependência), da bioeconomia (conceito proposto e desenvolvido pelo economista Nicholas Georgescu-Roegen, um dos precursores do decrescimento) e da democracia económica, da justiça social, da diversidade cultural, e da participação democrática. Nesse sentido, advogam que os países ou territórios que atingiram níveis satisfatórios de prosperidade material e cuja pegada ecológica é insustentável devem racionalizar ou reduzir os seus níveis de produção e consumo, garantindo, ao mesmo tempo, mecanismos de equidade e justiça social, que conduzam não só à redução das desigualdades na distribuição de riqueza entre Norte e Sul globais, permitindo que os países do Sul global atinjam níveis de prosperidade adequados, como também à redistribuição de riqueza dentro de cada país.

Entre as medidas concretas propostas pelo decrescimento incluem-se: a substituição do PIB por outros indicadores económicos que incorporem os impactos ambientais e sociais; a desglobalização e relocalização de muitas atividades económicas e a partilha de recursos e competências (reduzindo ou eliminando a dependência das corporações multinacionais e dos mercados globais); a redução dos horários de trabalho assalariado; a implementação de um rendimento básico e de tetos salariais; ou a adoção da mobilidade coletiva e partilhada, promovendo a reaproximação e a participação das pessoas nas suas comunidades. O movimento decrescentista defende ainda a redução ou eliminação da publicidade e da obsolescência programada, que instigam os e as cidadãs a consumir coisas de que não precisam, apenas para aumentar uma auto-estima e um bem-estar ilusórios e alimentar um metabolismo económico depredatório.

A visão de uma sociedade decrescentista não é a de uma sociedade menor, triste ou depauperada. Pelo contrário, o decrescimento sustenta que a autonomia económica baseada na abundância frugal e na sobriedade, em paralelo com a promoção da solidariedade e do apoio e cuidado mútuos, conduzirão a comunidades prósperas, alegres e conviviais. As abordagens e estratégias decrescentistas não são puristas nem universalistas – devendo ser diversificadas e adaptadas a cada território e cada conjuntura. Dadas as claras afinidades e complementaridades com outras iniciativas que partilham visões económicas antiprodutivistas, antiglobalistas e anti-extrativistas, como o ecossocialismo, o ecofeminismo, o ‘Buen Vivir’ ou os comuns, o decrescimento só tem a ganhar com os diálogos e as ‘hibridações’ que conseguir estabelecer com essas iniciativas.

Finalmente, o decrescimento defende uma repolitização e redemocratização das sociedades que só será possível pela participação ativa de todas as pessoas na gestão coletiva das suas economias, de forma sustentável e justa, por via de estruturas democráticas locais, ou de movimentos auto-organizados e assembleários.

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Textos e sites recomendados:

Giorgos Kallis, Federico Demaria & Giacomo D’Alisa, Decrescimento. In: ‘Decrescimento – Vocabulário para um novo mundo’. Tomo Editorial (Porto Alegre, Brasil), 2016. pp. 21-42.

Geneviève Azam, Degrowth (Decrecimiento); site ‘Systemic Alternatives (2017):  versão em inglês;  versão em castelhano

 

Site nacional:

Rede para o Decrescimento

 

Sites internacionais:

Research & Degrowth

International Degrowth web portal

Systemic Alternatives

A crise da civilização ocidental e a resposta do Decrescimento. Com Serge Latouche

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