Cooperativas em Portugal

Manuel Canaveira de Campos

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Cerca de dois séculos de história tem o cooperativismo como ideia e como experiência de organização económica e social. Em 1844 constituiu-se a que foi considerada a primeira cooperativa da era moderna – a Sociedade dos Honestos Pioneiros de Rochdale, em Inglaterra, nos arredores de Manchester.

Em Portugal, as primeiras experiências cooperativas surgiram em meados do século XIX, integradas no forte movimento associativo que teve o seu principal apoio nas ideias e movimentos ligados ao Partido Socialista recentemente criado. Entre os movimentos referidos é de destacar O Eco dos Operários, jornal fundado pelo engenheiro Francisco Maria de Sousa Brandão em 28 de abril de 1850, dirigido ao proletariado e considerado o primeiro jornal socialista editado em Portugal.

A 27 de julho de 1852 foi fundada a Associação dos Operários, a primeira associação de classe, no moderno sentido do termo, que existiu em Portugal. A 16 de junho de 1853 foi publicado o decreto que aprova os estatutos do Centro Promotor de Melhoramentos das Classes Laboriosas, os quais haviam sido redigidos pelo mesmo Engenheiro Francisco Maria de Sousa Brandão. O Centro torna-se rapidamente na mais importante das associações operárias, considerado, pelo próprio governo, como o centro das associações operárias, prestando um importante contributo para despertar a consciência cívica do proletariado português.

A partir do início da década de 1860 surge um forte movimento associativo entre o operariado, com a formação de associações de classe, que desembocaria no sindicalismo. Este movimento está associado a uma crescente tomada de consciência pelos proletários da sua condição, a qual leva que a par do sindicalismo se generalize o desejo de uma alteração política que contribua para a melhoria da condição socioeconómica das classes laboriosas.

Em 1867 a publicação da denominada Lei Basilar das Cooperativas, de Andrade Corvo, deu um definitivo impulso à criação de associações de tipo cooperativo. Este primeiro texto legal do cooperativismo português foi em termos mundiais o segundo texto legal cooperativo após o inglês.

No prosseguimento dos objetivos da Associação Internacional dos Trabalhadores, José Fontana e outros fundam, a 19 de janeiro de 1872, a Associação Fraternidade Operária sob cuja égide se inicia a 10 de março daquele ano a publicação de O Pensamento Social, órgão de propaganda socialista.

Entre as primeiras cooperativas portuguesas podem referir-se a Caixa Económica do Porto (1871), a Sociedade Cooperativa de Consumo Aliança Popular, em Lisboa (1871), a Aliança Xabreguense, em Lisboa (1871), a Sociedade Cooperativa Produção de Ramalde, no Porto (1892), a Cooperativa Piedense, na Cova da Piedade (1893), a Cooperativa Sacavenense, em Sacavém (1900).

Cooperativa de Consumo Piedense

Centro Promotor de Melhoramentos das Classes Laboriosas

Os primeiros tipos de cooperativas foram as cooperativas de consumo a que se seguiram as cooperativas de produção e as cooperativas de crédito. Ao longo do tempo outros tipos de cooperativas se foram afirmando como as cooperativas agrícolas, de habitação, de pesca, de serviços, de ensino, de saúde, de cultura e mais recentemente, em Portugal, cooperativas de solidariedade social.

Já em 2009 o Secretário Geral da ONU no Relatório “As cooperativas no Desenvolvimento Social” refere como sendo de 800 milhões o número de membros das cooperativas filiadas na Aliança Cooperativa Internacional (ACI), em mais de 100 países. Por seu lado a Organização Internacional do Trabalho, de acordo com os seus dados de criação e manutenção de emprego, apresenta como sendo de mais de 100 milhões o número atual de postos de trabalho assegurados pelas cooperativas. Em termos europeus a mesma Aliança Cooperativa Internacional indica como sendo de 250 mil o número de cooperativas, com 163 milhões de membros e 5,4 milhões de postos de trabalho.

Os números apresentados mais do que indicarem a importância das cooperativas face à população mundial, apresentam as cooperativas como uma das formas de organização económica com maior capacidade de solução para os problemas de trabalho, alimentação, habitação, crédito, ensino, saúde, e tantos outros que preocupam a maior parte da população.

Para além da questão económica, as cooperativas respondem às questões sociais do nosso mundo, organizando-se e difundindo valores e princípios baseados na dignidade e no respeito pela pessoa humana, na cultura e defesa do meio ambiente, na promoção da liberdade, da igualdade, da equidade e da solidariedade entre homens e mulheres, na luta pela justiça, pela coesão social e pela paz.

Várias têm sido, nos anos mais próximos, as tomadas de posição, da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), favoráveis à promoção cooperativa. Na sequência desta atenção continuada, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou 2012 – Ano Internacional das Cooperativas, encorajando os Estados Membros e todos os parceiros responsáveis pelo desenvolvimento, a fazerem deste Ano Internacional uma ocasião para promover as cooperativas e consciencializar a opinião pública da contribuição das cooperativas no desenvolvimento económico e social.

Nessa altura, ao referir-se ao Ano Internacional das Cooperativas, o Diretor do Programa Cooperativo da OIT afirma que ele é “o reconhecimento do papel central que as cooperativas desempenham no apoio ao desenvolvimento sustentável, à erradicação e prevenção da pobreza e à criação e consolidação dos meios de subsistência em diversos sectores económicos , em áreas urbanas e rurais.”

Alargando a vista para lá do que nos é próximo, no espaço e no tempo, procuremos então dar-nos conta da força do cooperativismo em todo o mundo. Ao todo indicam-se 3 milhões de cooperativas presentes nos mais diversos países do globo, cooperativas a que estão ligados de algum modo, na utilização dos produtos que apresentam e dos serviços que disponibilizam, cerca de 12% da população de todo o mundo, o que significa quase mil milhões dos atuais oito mil milhões de habitantes do planeta. Foi a importância e a necessidade de desenvolvimento das cooperativas em todo o mundo que levou a ACI, a estabelecer a partir de 1923 o Dia Internacional das Cooperativas, a celebrar anualmente, em todo o mundo, na sexta feira antes do primeiro fim de semana do mês de julho.

A ONU veio estabelecer o ano de 2012 como o Ano Internacional das Cooperativas e juntou-se, a partir desse ano, a todas as cooperativas, na celebração do Dia Internacional das Cooperativas, com uma mensagem dirigida a todos os governos dos países membros, no sentido da promoção e do desenvolvimento das cooperativas.

São estas cooperativas presentes em todo o mundo, nos mais diversos sectores de atividade, desde a agricultura em todos os seus domínios, da produção à transformação e ao comércio, à pesca, nos seus diversos sectores, à pecuária, à floresta, às mais diversas áreas de prestação de serviços, como a saúde, a educação, o transporte, os serviços energéticos, o financiamento e outros serviços financeiros, a comunicação social, a cultura, o desporto, o turismo, a construção, designadamente a construção para habitação.

É com todas estas atividades que as cooperativas melhoram a participação económica e social, combatem a degradação ambiental e a mudança climática e promovem a segurança alimentar especialmente nas regiões mais carenciadas.

De uma forma mais profunda e mais abrangente concorrem para a igualdade entre os homens e mulheres e eliminam a pobreza. Em termos mais comunitários mantêm o financiamento de capitais dentro das próprias comunidades, construindo uma rede de valores éticos que são os seus princípios cooperativos, melhorando as condições para a paz e a segurança entre os povos.

10% das pessoas empregadas em todo o mundo trabalham em cooperativas, afirmando no seu conjunto 280 milhões de profissionais. É através destes/as trabalhadores/as das cooperativas que o trabalho cooperativo vai criando condições para um mundo de pessoas mais livres, mais solidárias e mais cooperantes.

A mensagem da ONU para o Dia Internacional das Cooperativas de 2022 teve como lema:

As cooperativas constroem um mundo melhor
– com justiça social
– de harmonia com a natureza
– e em paz.

2025 – Ano Internacional das Cooperativas

A Assembleia Geral das Nações Unidas adotou uma nova resolução sobre o papel das cooperativas no desenvolvimento social, apelando à proclamação de 2025 como Ano Internacional das Cooperativas.
O texto da resolução incentiva todos os Estados-Membros, bem como as Nações Unidas e todas as outras partes interessadas relevantes, a aproveitarem o Ano Internacional das Cooperativas como forma de promover as cooperativas e de aumentar a sensibilização para o seu contributo para a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e para o desenvolvimento social e económico global. A resolução foi apresentada pelo Governo da Mongólia e adotada em 3 de novembro de 2023 durante a 47.ª reunião plenária da Assembleia Geral das Nações Unidas.

A iniciativa surge após o sucesso do primeiro Ano Internacional das Cooperativas, em 2012, que muito contribuiu para sensibilizar para o importante papel das cooperativas na promoção do desenvolvimento sustentável.

A ACI celebra a adoção desta resolução, acolhe com satisfação as suas recomendações e incentiva todas as partes interessadas envolvidas na promoção e avanço das cooperativas a implementá-las.

O Presidente da ACI, Ariel Guarco, saúda a adoção de uma nova resolução da ONU sobre cooperativas e acrescenta:

“A proclamação de um novo Ano Internacional das Cooperativas, 13 anos após o primeiro, prova o forte reconhecimento pela ONU e pelos governos nacionais da capacidade de cooperativas para impulsionar a Agenda 2030 e construir um mundo mais justo e próspero para todos.”

“Esta é a segunda vez na história que a ONU dedica um ano internacional às cooperativas, e isso não é uma coincidência. Motivadas pela preocupação com todas as comunidades, as cooperativas adaptaram-se com sucesso para superar os desafios em evolução do nosso tempo, e mostraram repetidamente ao longo da história que, juntos, estamos de facto construindo um mundo melhor.”

As recomendações nesta nova resolução da ONU estão bem alinhadas com os pedidos da ACI aos governos e parceiros de desenvolvimento, conforme declarado no recente documento de posição da ACI “Cooperativas: Parceiros-chave na concretização da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável”.