O Cooperativismo Integral em Portugal

Jorge Gonçalves, PorVir

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O cooperativismo integral tem crescido significativamente em Portugal, existindo uma Rede de Cooperativas Integrais, constituída atualmente por cooperativas distribuídas de norte a sul do país, em zonas urbanas e rurais, no litoral e no interior, e também em Espanha pois não é uma rede nacional, apesar de ter surgido em Portugal.

Uma cooperativa integral, por definição, é uma cooperativa multisectorial1 que tem a particularidade de poder atuar em todos os campos necessários ao viver: produção de qualquer tipo de produto (p. ex. agrícola, artesanato, cosmética, maquinaria, roupa, livros, etc.), prestação de qualquer tipo de serviços (p. ex. arquitetura, design, construção, formação, consultoria, engenharia, artes, ensino, saúde, apoio a idosos, entre outros), e desenvolvimento de projetos de habitação. Não significa que uma cooperativa integral tenha todos estes produtos e serviços na sua estrutura (ou seja, fornecidos ou organizados pelos seus membros), mas que permite aos seus membros atuar em todos eles, de forma individual ou coletiva, caso necessitem de uma plataforma legal para o fazer.

Multisectorial significa que tem nos seus estatutos pelo menos dois ramos cooperativos.

As cooperativas integrais aparecem para responder a um sistema legal e fiscal que torna cada vez mais burocrático, complexo e caro, para uma pessoa ou grupo poder fazer qualquer tipo de atividade (p. ex. formalizar uma entidade, ter contabilista, tratar de procedimentos nas finanças ou segurança social, ter conta bancária, etc.). Devido a estas dificuldades, muitas pessoas acabam por desistir dos seus projetos, e acabam por trabalhar para entidades patronais que poderão pagar baixas remunerações, ou por fazer trabalhos com os quais, por vezes, não se identificam, desistindo de desenvolver o seu próprio negócio, projeto social, de habitação, ambiental, entre outros, consoante as suas necessidades e interesses.

“O termo Bio-região refere-se a um território, dentro do qual existe cooperação entre todos os seus atores, que identificam a agricultura biológica ou a agroecologia como o pilar do desenvolvimento rural. Nestes territórios, os/as agricultores/as e as suas associações, operadores turísticos, consumidores/a e poder local, assinam um acordo para a gestão sustentável dos recursos locais, partindo do modelo biológico de produção e consumo (circuitos curtos de comercialização, grupos de compras solidárias, integração da produção local nas cantinas públicas e atividades de restauração, hotelaria,animação turística)”.

Em vez de cada projeto ou grupo ter de criar uma entidade para cada fim, com tudo o que tem envolvido, basta haver uma cooperativa integral que serve como plataforma, que permite que qualquer pessoa de um determinado território – o que for definido pela cooperativa (p. ex. aldeia, bairro, cidade, freguesia, distrito, biorregião2, etc.) – possa fazer o seu projeto em qualquer área de atividade.

No modelo de cooperativas integrais a emergir nesta rede, cada projeto – dentro de cada cooperativa – tem autonomia de gestão, ou seja, as pessoas que o desenvolvem decidem como o vão fazer, os preços que praticam, os/as seus/suas clientes, entre outros. As cooperativas poderão definir princípios ou métodos que devem guiar a atuação dos seus membros nas suas atividades, mas têm uma estrutura descentralizada, dando liberdade de atuação aos seus membros e reduzindo o tempo despendido com os processos de decisão.

As cooperativas devem ser autosustentadas pelas atividades dos seus membros, sendo financiadas através do pagamento de quotas mensais, taxas administrativas (uma percentagem da faturação que fica para a cooperativa), ou fazendo combinações de ambos. Com estas receitas, as cooperativas pagam os serviços de contabilidade, tesouraria, administração, comunicação, ou outros que entendam necessários ao funcionamento da sua estrutura para dar suporte às atividades dos/das seus/suas cooperadores/as. Se sobrar dinheiro, os seus membros decidem como deverá ser utilizado (p. ex. apoiar o desenvolvimento de projetos sociais, organizar eventos que promovam a colaboração e convívio dos seus membros, financiar iniciativas dos seus membros, entre outros).

Para além de baixarem os custos e tempo despendido com processos burocráticos e permitirem que os seus membros se dediquem de facto aos seus projetos, as cooperativas permitem que eles e elas encontrem situações com maior proteção social, em comparação com a situação a que os/as trabalhadores/as independentes estão sujeitos/as. Nesse sentido, através do chamado Acordo Cooperativo, poderão retirar um salário e ser registados na Segurança Social como trabalhadores/as por conta de outrem, permitindo-lhes ter um acesso mais facilitado aos apoios sociais do que na situação de recibos verdes, como o direito ao subsídio de doença em caso de baixa médica, subsídio de desemprego, de paternidade e maternidade.

Oficina de aprendizagem de costura, na CooLabora (Covilhã)

As cooperativas integrais também promovem o princípio segundo o qual, dentro de um território, as pessoas compram os produtos e serviços entre si, fortalecendo assim o desenvolvimento local, a criação de rendimentos e promovendo a soberania alimentar e económica.

Divulgando as iniciativas dos seus membros nos meios de comunicação da cooperativa (p. ex. sítios na internet, redes sociais), permitem dar maior visibilidade aos seus projetos do que fazendo apenas a divulgação pelos meios individuais de cada membro. Criando elos de ligação entre membros, fomentam sinergias, quer para desenvolver projetos maiores, quer para trazerem clientes uns/umas para os/as outros/as.

Muitas vezes, as cooperativas integrais têm espaços comuns como mercearias, que vendem produtos dos e das produtoras locais, criando alternativas às grandes superfícies que raramente vendem produtos locais ou, quando o fazem, oferecem más condições de pagamento às/aos suas/seus fornecedoras/es. Por vezes, também têm restaurantes e fornecem cantinas escolares com produtos de agricultores/as locais. Também é comum terem espaços de trabalho partilhados (escritórios, oficinas), reduzindo os custos de arrendamento de espaços, de investimento e manutenção de equipamentos. Podem também ter sistemas de microcrédito, que financiam projetos dos seus membros com condições favoráveis e angariar investimento de investidores externos.

Para além de facilitarem a criação de negócios e projetos sociais, os projetos de habitação são muito importantes. As cooperativas permitem organizar a compra ou arrendamento de imóveis (terrenos ou casas), realizar os processos de construção, tendo o alvará para o fazer, ou contratualizar esses serviços com empreiteiros/as externos/as, aceder a financiamentos na banca ou a outro tipo de investidores. Ao permitirem o acesso à habitação a preços mais acessíveis, melhora-se o poder de compra das pessoas, reduz-se o risco de se ficar sem casa e a pressão exercida sobre as pessoas para terem rendimentos altos, permitindo-lhes ter mais tempo livre para a família, amigos/as, para a comunidade e assim seguir os seus sonhos.

As cooperativas integrais são feitas dos projetos que os seus membros desejem desenvolver. Evocaram-se aqui algumas ideias, mas muitas mais podiam ser elencadas para ilustrar como estas estruturas podem ser utilizadas. Não seguem fórmulas únicas, e cada uma tem as suas características e modelos. A sustentabilidade económica é a base para o sucesso das mesmas. A participação ativa dos membros, independentemente de pertencerem à direção, é essencial para que a inteligência coletiva, as competências dos seus membros e a transparência sejam asseguradas e para evitar estruturas hierarquizadas e corruptas que levaram à falência e descredibilização das cooperativas, especialmente nos anos 80 e 90 em Portugal.

Métodos de governança eficientes devem ser implementados para que as reuniões sejam curtas e tragam um sentimento de satisfação às pessoas. Apesar de existirem valores que as cooperativas devem promover (e cada uma define os seus) e que os seus membros devem respeitar nos seus projetos, devem-se respeitar as diferenças de opinião, de projetos e abordagens, e não torná-las veículos ideológicos e de dogmas que criem conflitos. As pessoas têm formas de ver o mundo diferentes e que vão evoluindo com o tempo, e têm noções de justiça, sustentabilidade, de como fazer um negócio, por vezes distintas. Nesse sentido, a maioria dos projetos têm marca própria, ao invés de utilizarem a marca comum de toda cooperativa.

A Rede de Cooperativas Integrais serve para ajudar os processos que cada cooperativa está a desenvolver, através da partilha de conhecimentos, de ferramentas, de contactos e de recursos. Já organizou três Fóruns, que são momentos de partilha de conhecimentos sobre gestão de cooperativas, questões de legalidade e fiscalidade, aprendizagem de novos modelos cooperativos, de celebração do movimento, e que servem também para criar laços entre as cooperativas, por forma a aumentar a troca de produtos e serviços entre elas e outros elos de solidariedade. Servem também para pessoas e grupos que pensam criar cooperativas integrais, poderem aprender mais sobre este modelo e as suas múltiplas aplicações. Para além disso, organizam-se durante o ano formações, reuniões mensais, divulgação de informações através do boletim informativo da Rede e outras colaborações.

Para saber mais