Usos e possibilidades do capital: o capital social nas cooperativas

CIDAC

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O capital social, numa empresa, corresponde ao investimento inicial de um conjunto de pessoas, sócias-proprietárias, no caso de uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada, ou de investidores, no caso de uma sociedade anónima. Os valores ou bens investidos são destinados a fornecer os meios necessários ao arranque da atividade e a servir de garantia para entidades credoras.

Em Portugal, às cooperativas é também exigido, por lei reunir um capital social para se poderem constituir legalmente. O Código Cooperativo indica que, salvo regulamentação setorial específica, o capital social mínimo de uma cooperativa deve ser de 1.500 euros (para uma cooperativa do ramo do ensino superior é de 5.000 euros, por exemplo, quando é de 250 euros para uma cooperativa do ramo do artesanato). É interessante notar que a constituição de uma sociedade por quotas não obriga a qualquer valor mínimo de capital social, o que pode levar pessoas com vontade de criar uma cooperativa a optar por um modelo económico competitivo só por razões de custo de contexto1.

Uma das diferenças fundamentais na natureza do capital social de uma empresa convencional e de uma cooperativa é que, nesta última, a detenção do capital não confere mais poder de decisão, sendo a regra cooperativa de 1 pessoa / 1 voto. Isto é, independentemente do investimento que uma pessoa possa ter realizado numa cooperativa, do montante de capital social subscrito, numa assembleia geral de cooperadores/as, só terá um voto2. Ao contrário, numa sociedade por quotas de responsabilidade limitada, cada cêntimo detido confere um voto, isto é, numa empresa dotada de um capital social total de 2.500 euros, existem 250.000 votos repartidos entre os/as sócios/as. Quem mais capital detém, mais votos tem.

Quem detiver 2.000 euros do capital social terá 200.000 votos. É o mesmo princípio numa sociedade anónima. Neste caso, o capital social geralmente exigido de 50.000 euros pode ser dividido em 50.000 ações ou títulos de 1 euro. Os investidores e investidoras com mais ações têm mais poder de decisão e, se detiverem mais de metade das ações, têm o controle da empresa. Isto significa também que, nas empresas competitivas, quem possui mais capital tem mais peso ou poder para nomear os órgãos de gestão. Nas cooperativas, a descorrelação entre o montante de capital subscrito e o poder de voto é demonstrativa da primazia dada às pessoas sobre o capital, e a democracia e participação sobre a lei da pessoa mais forte.

1 “Custos de contexto” é um conceito económico que se refere aos custos induzidos pelo contexto legal, às regras, e que impactam as iniciativas económicas independentemente das decisões de quem as promovem.


2 A revisão do código cooperativo de 2015 abriu a porta à possibilidade de voto plural (1 pessoa tem direito a vários votos) nas cooperativas de 1.º grau de mais de 20 cooperadores/as que não sejam cooperativas de produção operária, de artesanato, de pescas, de consumidores ou de solidariedade social, nalguns aspetos da governação.

Quer seja uma cooperativa ou uma empresa competitiva, o capital social pode ser realizado em dinheiro mas também em bens que serão avaliados (uma casa, uma viatura, computadores…) e em direitos (detenção de uma patente, de uma marca, de um saber-fazer específico…). Mas, no caso das cooperativas, até à revisão do código cooperativo de 2015, um/a cooperador/a podia realizar a sua parte de capital social, a sua entrada, também em trabalho. Neste caso, o Código Cooperativo indicava que seria a Assembleia de Fundadores/as ou a Assembleia Geral sob proposta da Direção que fixaria previamente os valores envolvidos. Infelizmente, a revisão do código retirou esta dimensão do modo de constituição e gestão de uma cooperativa, que afirmava uma visão do capital ao serviço das pessoas e do trabalho e não das pessoas e do trabalho ao serviço do capital, como é regra no modelo económico hegemónico. No entanto, esta revisão, no seu artigo 85º, não fecha totalmente a porta a esta possibilidade, estipulando “…sem prejuízo de a legislação aplicável a cada um dos ramos do sector cooperativo poder exigir para a aquisição da qualidade de cooperador uma contribuição obrigatória de capital e de trabalho.”.

Inauguração da padaria da Caixa Económica Operária (1932)

Uma outra peculiaridade do capital social numa cooperativa é a sua variabilidade. Numa empresa convencional pode ser aumentado ou reduzido por vias legais e procedimentais, com investimentos e reforços de participação ou para libertar capital das sócias e dos sócios, mas não pode ter variações constantes e as variações devem ser comunicadas as autoridades competentes. Por outro lado, uma empresa que se encontra com um capital social negativo (tinha um capital social de 20.000 euros na sua fundação, e só tem um capital de 10.000 euros agora) poderá simplesmente ser dissolvida.

O 1.º princípio cooperativo, o de adesão voluntária e livre, implica, por essência, a volatilidade do capital social, pois quem adere subscreve títulos da cooperativa aumentando o capital social e quem sair, é ressarcido dos títulos que tinha adquirido, podendo deste modo aumentar ou baixar o capital social da organização. O Código Cooperativo português não prevê a dissolução de uma cooperativa que se encontre numa situação de capital social inferior ao estipulado nos estatutos ou regulado pela lei, apesar de prever legalmente a figura de capital social mínimo, deixando este aspeto numa zona cinzenta do Direito.

Na economia convencional, competitiva, o princípio do retorno sobre investimento ou ROI (Return Over Investment em inglês) é fundamental. Trata-se de uma métrica económica que determina os ganhos (ou prejuízos) realizados em função de um dado investimento. Quem investe numa empresa, de modo geral, espera um retorno sobre o seu investimento. O objetivo da empresa é então gerar riqueza para, entre outros, remunerar o capital investido, pela distribuição de excedentes ou o aumento do valor das ações, por exemplo. Não é, por essência, essa a motivação de uma pessoa que investe no capital social de uma cooperativa. Não se espera um retorno sobre investimento, nem se considera a aquisição de títulos do capital social de uma cooperativa como um investimento. Esta entrada no capital define a adesão, a pertença à cooperativa, permite adquirir a qualidade de cooperador ou cooperadora, além de alimentar economicamente a estrutura, o que é importante mas não fundamental neste caso.

A motivação não é especulativa mas sim de resolução de um problema pela ação coletiva: aceder a alimentação ou a habitação mais barata, mutualizar maquinaria ou produção agrícola, gerar emprego para um coletivo cultural… Isto é, quem entra no capital social de uma cooperativa é parte da cooperativa, como usuário/a, trabalhador/a, membro, que partilha uma comunidade de destino com os seus pares. É, no entanto, possível distribuir excedentes entre cooperadores/as através de “uma remuneração limitada, pelo capital subscrito” segundo o Código Cooperativo. Esta distribuição realiza-se, de modo geral, não em função do montante subscrito mas sim do nível de intensidade do recurso aos serviços ou produtos da cooperativa. Se realizo a maioria das minhas compras alimentares na cooperativa de consumo, terei direito a uma parte maior, mas sempre limitada, dos excedentes do que quem compra uma vez por ano.

Em vez de remunerarem o “capital investido”, os resultados anuais positivos de uma cooperativa destinam-se prioritariamente ao desenvolvimento da estrutura cooperativa e da sua atividade e à alimentação de reservas, duas das quais são obrigatórias, a reserva legal3, que deve atingir pelo menos o valor do capital social da cooperativa e a reserva destinada à formação dos membros e da comunidade4. Além destas duas, uma cooperativa pode criar outras reservas, chamadas reservas livres. O Código Cooperativo indica que a estas duas reservas deve ser dedicada uma percentagem das jóias e dos excedentes anuais, determinando, de uma certa maneira, que a riqueza gerada pela cooperativa deve ser colocada ao serviço da ação coletiva e da comunidade. Neste sentido, as reservas obrigatórias referidas são, legalmente, irrepartíveis, isto é, não podem ser, de maneira nenhuma, distribuídas entre os cooperadores e cooperadoras, mesmo em caso de dissolução da cooperativa. Em caso de encerramento de uma cooperativa, o saldo das reservas obrigatórias será entregue a uma outra cooperativa, geralmente escolhida pela confederação de cooperativas do ramo de pertença da cooperativa dissolvida, situada preferencialmente no mesmo território.

Artigo 96.º do Código Cooperativo, ponto 1 – É obrigatória a constituição de uma reserva legal destinada a cobrir eventuais perdas de exercício.


Artigo 97.º do Código Cooperativo, ponto 1 – É obrigatória a constituição de uma reserva para a educação cooperativa e a formação cultural e técnica dos cooperadores, dos trabalhadores da cooperativa e da comunidade.

A Aliança Cooperativa Internacional define assim as cooperativas: Uma cooperativa é uma associação autónoma de pessoas que se unem, voluntariamente, para satisfazer aspirações e necessidades económicas, sociais e culturais comuns, através de uma empresa de propriedade comum e democraticamente gerida. Pessoas que se unem, voluntariamente, para satisfazer aspirações e necessidades. Poderia ser essa, a definição do capital social numa cooperativa!