O risco dos empréstimos para o futuro de Timor-Leste
Celestino Gusmão Pereira, La’o Hamutuk
Tradução: CIDAC. Ler a versão original em tetum aqui.
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A política de empréstimos
Entre 2009 e 2011 o Governo de Timor-Leste criou o quadro legal para a obtenção de empréstimos a partir de outras nações e instituições internacionais. Desde então, o La’o Hamutuk integrou o tema no seu programa de trabalho, nas áreas de advocacy, educação e produção de análises de risco relativamente à política de endividamento. Enquanto Organização da Sociedade Civil, o La’o Hamutuk (Instituto Timorense para a Análise e Monitorização do Desenvolvimento) está preocupado; Timor-Leste contraiu empréstimos num momento em que dispõe de fundos, e terá de os pagar no futuro, o que cria um risco para a soberania, possível dependência externa e domínio estrangeiro.
Atualmente, 80% das verbas anuais do orçamento geral do Estado timorense são financiadas com transferências publicas do Fundo Petrolífero, criado em 2005 para gerir e investir as receitas do petróleo e do gás. Apesar de a lei original do Fundo Petrolífero não permitir a sua utilização enquanto garantia de empréstimos, a alteração posterior – em 2011 – define a possibilidade de utilização até ao limite de 10% do valor total do Fundo Petrolífero à data-valor da constituição do ónus ou encargo. Desta forma, quando o Governo transfere fundos para o tesouro, os valores podem ser utilizados para o pagamento dos programas aprovados pelo Parlamento Nacional, incluindo o pagamento dos empréstimos.
No Plano Estratégico de Desenvolvimento Nacional 2011-2030 também está previsto o recurso a empréstimos concessionais1 para o financiamento de projetos de infraestruturas. O programa do atual Governo (IX) também continua a utilizar os empréstimos como fonte de financiamento a par do Fundo Petrolífero para suportar os projetos estratégicos.
As metas ambiciosas estabelecidas no documento do Plano Estratégico de Desenvolvimento Nacional 2011-2030 empurram o Governo no sentido da obtenção de empréstimos como forma de financiar a construção de projetos de retorno duvidoso e que vão precisar de manutenção muito significativa no futuro. Com estes grandes projetos, que exigem financiamento substancial, vai gastar-se a totalidade do Fundo Petrolífero e dos empréstimos, fechando a possibilidade de financiar o setor produtivo, renovável e sustentável.
1Termo utilizado para um tipo de empréstimo oferecido com condições mais favoráveis, incluindo taxas de juros mais baixas. Em geral, é concedido para países em desenvolvimento.
Situação dos empréstimos
Empréstimos contraídos com vários credores
(tabela 23 do documento “Relatório” do Orçamento Geral do Estado 2024 (OGE 2024)
Do total dos empréstimos contratados no valor de 1.025 milhões de dólares, 287 milhões serão desembolsados até ao final de 2024. Anualmente o Governo paga um total de 26 milhões de dólares em juros e parcelas principais de empréstimos cujo período de carência já expirou.
Mesmo que estes contratos tenham um período de carência e um prazo de pagamento alargado, como se pode ver na tabela acima, o Governo tem afirmado quer no documento do Orçamento Geral do Estado 2024, quer no discurso público que pretende proceder à sua liquidação num curto espaço de tempo.
Ainda que estes empréstimos tenham sido utilizados até à data para a construção de estradas, no documento OGE 2024 o Governo, infelizmente, mostra intenções de recorrer a este mecanismo para o financiamento de projetos petrolíferos. A lei do OGE 2024 autoriza o Governo a assinar novos contratos de empréstimos no valor de 500 milhões de dólares junto de entidades credoras.
Em 2016, o Tribunal de Contas de Timor-Leste rejeitou o plano do Governo para pedir um empréstimo de 50 milhões à China destinado à reconstrução do sistema de drenagem da cidade de Dili, na base de que esse contrato de empréstimo violava o direito de Timor-Leste escolher a companhia que implementaria o projeto (na proposta, a futura companhia teria de ser selecionada a partir de uma lista de sete companhias fornecidas pela embaixada chinesa). Não podemos ter a certeza de que os órgãos do Estado vão proteger a soberania nacional no futuro.
O Governo afirma no documento do OGE 2024 que pretende liquidar a breve trecho os empréstimos contraídos até agora, demonstrando preocupação relativamente ao risco destes empréstimos, fazendo referência à minimização da dependência de Timor-Leste face a financiamentos externos e ao risco de bancarrota.
Outros tipos de empréstimos em Timor-Leste
As PPP – Parcerias Público-Privadas, enquanto modalidade financeira, técnica e comercial, já começaram em Timor-Leste. Em 2012 o Governo com a ajuda da IFC – International Finance Corporation desenvolveu o plano para a construção do Porto da baía de Tibar, que resultou num contrato de concessão (em 2016) entre o Governo de Timor-Leste e o consórcio Bolloré. Até ao momento, este é o único projeto em fase de implementação mas em fase de aquisição e negociação estão outros nas áreas da Habitação Económica, Saúde, e o Aeroporto Internacional Presidente Nicolau Lobato.
As PPP, mesmo que sejam uma parceria entre público e privado para a construção de projetos específicos e estratégicos, são também um caminho para a dominação, a privatização, e Timor-Leste terá no futuro de pagar os custos das despesas dos seus parceiros.
A TimorGap pede um empréstimo ao Fundo Petrolífero de Timor-Leste
A discussão sobre a fronteira marítima entre a Austrália e Timor-Leste envolveu um enorme debate em torno do Direito Internacional Marítimo e sobre como se iria desenvolver o projeto petrolífero Greater Sunrise – campo descoberto em 1974, um ano antes da invasão indonésia de Timor-Leste, apoiada pela Austrália, EUA, entre outros.
A TimorGap, E.P. é uma companhia estatal timorense que, com o apoio dos responsáveis políticos do país, decidiu comprar 57% da participação no consórcio que vai desenvolver o campo Greater Sunrise pelo valor de 650 milhões de dólares. O dinheiro para aquisição desta participação vem do Fundo Petrolífero, a título de empréstimo que terá de ser liquidado após um período de carência de 8 anos com um juro de 4,5% anual sobre o total do empréstimo. Como o projeto Greater Sunrise enfrenta dificuldades várias, incluindo a falta de investidores interessados, o Banco Central (BCTL), enquanto entidade gestora do Fundo, tem desvalorizado o empréstimo. No final de 2023 as obrigações da TimorGap (com a acumulação de juros) totalizariam 801 milhões de dólares mas o BCTL valoriza a dívida em apenas 597 milhões.
Fundo Petrolífero e financiamento público
O Fundo Petrolífero é o único recurso financeiro do país. Deriva da venda das reservas de gás e petróleo de três campos do mar de Timor, maioritariamente do campo Bayu-Undan. O Fundo recebeu cerca de 35 mil milhões de dólares que incluem as receitas da venda de petróleo e gás mas também do retorno dos investimentos do Fundo Petrolífero nos mercados financeiros internacionais. Os três campos estão quase esgotados. Bayu-Undan pode ainda fornecer receitas significativas mas a produção está perto do fim.
O primeiro relatório trimestral de 2024 do Banco Central de Timor-Leste dá conta de um saldo de 18,5 mil milhões de dólares no Fundo Petrolífero, enquanto que o Governo já transferiu 16,4 mil milhões de dólares deste Fundo para utilização na despesa estatal.
Potencial de crise financeira em Timor-Leste ou o que se chamaria um precipício financeiro
No documento “Relatório” OGE 2024 (pág. 21) o Ministério das Finanças de Timor-Leste inclui o gráfico que reproduzimos acima, mostrando como o Fundo Petrolífero deverá esgotar-se durante os próximos dez anos, situação para a qual o La’o Hamutuk alertou repetidamente o Governo desde 2013. O Ministério das Finanças prevê que, mantendo-se a despesa nos níveis atuais – entre 1,6 e 2 mil milhões cada ano – o Fundo deverá esgotar-se até 2034. Nesse momento, Timor-Leste não terá dinheiro suficiente para fazer face às necessidades do Estado e do povo, e terá de cortar 80% da despesa do Estado. Como os contratos de empréstimos não consideram a capacidade de Timor-Leste para pagar quer o capital quer os juros dos empréstimos contraídos, Timor-Leste terá de pagar às instituições internacionais ricas antes de providenciar educação e nutrição à população pobre.
Como é que no La’o Hamutuk olhamos para os empréstimos
Desde o início da discussão sobre empréstimos em Timor-Leste o La’o Hamutuk tem feito ouvir as suas preocupações de diversas formas, com artigos na imprensa, submissões ao Governo e ao Parlamento Nacional, e informação pública quanto às consequências pesadas que estes empréstimos vão ter no futuro de Timor-Leste.
Mesmo com a decisão de contrair empréstimos junto de algumas instituições credoras, continuamos pobres em comparação com as projeções feitas nos últimos anos. Concordamos com o Primeiro Ministro que é necessário liquidar rapidamente os empréstimos já contraídos, e investir o pouco dinheiro que resta no Fundo Petrolífero numa economia diversificada, para construir uma economia produtiva que possa ser sustentável.
Timor-Leste pode aprender com as pesadas consequências que nações menos desenvolvidas sofrem decorrente dos empréstimos. A história dos empréstimos não se faz exclusivamente na forma de dinheiro, mas também de muitas outras formas que as nações grandes e as instituições credoras usam para exercer domínio e criar a dependência das nações pobres.
Pode encontrar mais informação detalhada, bem como documentos relevantes sobre esta matéria no site do La’o Hamutuk, Governo de Timor-leste, Ministério das Finanças de Timor-Leste.
Para saber mais
La’o Hamutuk, Rejeita adesão à OMC. Timor-Leste deve proteger e promover nossa economia doméstica, 27 fevereiro 2024
Toussaint, Éric, O Banco Mundial e o FMI deitaram mão a Timor-Leste, um estado oficialmente nascido em maio de 2002, Série: 1944-2024, 80 anos de intervenção do Banco Mundial e do FMI, basta! 19 junho, 2024, CADTM