PAC: uma política para a libertação da Europa?
Simon Kraemer, European Alliance for Regenerative Agriculture
Tradução: CIDAC
Ilustrações PAC: Pedro Horta
Tempo aproximado de leitura: 25 minutos
Suponho que poucas pessoas, na Europa, se considerem europeias por partilharem uma Política Agrícola Comum (PAC). Nos tempos que vivemos, de constantes bombardeamentos de informação, este género de reação é bastante provável: “O que me importa de mais um documento burocrático que não posso alterar?”. Antes de explicar como funciona a PAC e o que podemos fazer a esse respeito hoje e no futuro, farei uma breve retrospetiva da história europeia, explicando porque é que todos/as nos devemos preocupar e agir.
Refletindo em profundidade, a típica reação de indiferença à Política Agrícola Comum da União Europeia (UE) torna dolorosamente evidente a profunda precariedade e falta de liberdade em que a população europeia caiu. Permitam-me esboçar brevemente nesta introdução o caminho pelo qual estamos a deslizar para a falta de liberdade desde o fim da Idade Média.
“Quem controla a cadeia alimentar controla as pessoas; quem controla a energia pode controlar continentes inteiros; quem controla o dinheiro pode controlar o mundo.”
Henry Kissinger
Um prelúdio histórico sobre a agriCULTURA comum europeia
A Idade Média pode não ter sido tão sombria no que diz respeito à liberdade dos povos que habitavam o continente europeu, como normalmente nos é contado. A população, na Europa, era, em muitos sentidos, mais livre política e materialmente, porque ainda detinha uma parte dos chamados bens “comuns”: a terra que possuía coletivamente, os solos que cultivava, a terra que a alimentava nutricional e espiritualmente. Partilhava uma agriCULTURA comum: ao cultivar conjuntamente os seus solos, cultivava a própria liberdade e a paz. No final da Idade Média, os e as historiadoras estimam que a população europeia tinha metade do ano livre para desfrutar dos frutos do seu trabalho, dos frutos da terra.
Depois veio a privatização dos comuns em toda a Europa. Sem terra para cultivar o alimento, sem os bens comuns, sem as terras que possuíamos coletivamente, nós, a população europeia, fomos obrigados/as a vender-nos por um salário ou a morrer à fome. Com essa escolha, veio a nossa rendição às decisões dos que pagam os salários. E os/as que pagam os salários dependem, desde os tempos do Senado Romano1, dos desejos dos e das que têm detêm créditos e criam dinheiro.

Camponeses na obra Outubro, de Brevarium Grimani, c. de 1510.
1 Depois de herdar os empréstimos (e respetivos juros) do Oriente Próximo, Roma abandonou a tradição do Jubileu do Oriente Próximo— i.e., o cancelamento periódico de dívidas, o que reequilibrava o desequilíbrio económico — em favor dos juros compostos previstos na lei, aumentando o poder dos credores, o belicismo e a estratificação social.
2 NT: juros compostos são juros sobre juros. Isto é, os juros não se mantêm estáticos, porque ao valor inicial se vão juntando os juros recebidos, vão assim acumulando por períodos de tempo previamente definidos. Diz-se também “capitalização dos juros”.
3 NT: refere-se ao processo iniciado na Inglaterra, a partir do final do século XVI, de apropriação e privatização das terras comunais.
Os desejos dos donos da dívida, dos credores, dos criadores de dinheiro são ditados pela sua crença religiosa na lógica dos juros compostos2 – o crescimento exponencial infinito do dinheiro. Vivemos num planeta finito, por isso, de vez em quando, a produtividade normal não consegue produzir tanto quanto a religião do dinheiro exige. Assim, apenas através de processos de destruição se pode satisfazer a dependência do crescimento exponencial do dinheiro. No final das contas, a lógica dos detentores da dívida é banal, amarga e letal: matar uma pessoa palestiniana ou sudanesa cria mais nova dívida e mais crescimento monetário do que alimentar um/a palestiniano/a ou permitir que um/a sudanês/a se alimente. Imaginem que estou a fazer um “pitch” de investimento para obter mais dinheiro (que é a primeira condição dos “pitchs” de investimento): opção a) produzir bombas, aviões e novas construções; opção b) ensinar uma pessoa a fazer compostagem, multiplicar e cultivar sementes e animais.
A história moderna da Europa contada a partir “de baixo”, não da perspetiva dos governantes, mas do povo, é a história da autodefesa interminável do povo europeu, a defesa da nossa agriCULTURA comum. São as histórias da defesa do povo contra os ciclos incessantes, repetidos e amplificados de violência e de criação de dívida.
No início das “enclosures”3, processo de roubo das nossas terras comuns e da nossa agriCULTURA comum, mais de cem mil resistentes camponeses/as foram mortos/as na Europa Central, e isto apenas no ano de 1525. Mulheres foram queimadas e torturadas até à morte em toda a Europa durante centenas de anos. A Guerra dos Trinta Anos dos Habsburgos saqueou os povos europeus e foi apenas uma antevisão das guerras mundiais que se seguiram.
Até ao período das duas Guerras Mundiais, a coroa britânica massacrou os e as suas camponesas, matou de fome os/as irlandeses/as, enquanto Napoleão e intermináveis conquistas coloniais genocidas preparavam as nossas pátrias abandonadas, purificadas do espírito do Iluminismo europeu, para Salazar, Franco, Mussolini e Hitler. A opressão total, interna e externamente, é a máxima secular dos donos da dívida que vemos novamente diante de nós.

“A Terra foi criada para preservar alguns homens cobiçosos e orgulhosos para que vivessem confortavelmente, ou foi criada para preservar todos os seus filhos?” Gerrard Winstanley (líder do movimento livre dos/das agricultores/as e do povo, os True Levellers, durante a Guerra Civil Inglesa).
Só podemos resistir verdadeiramente, tanto no nosso país como fora, se estivermos ligados/as à terra que cultivamos. Haverá melhor forma de nos unirmos pela liberdade, pela paz e por uma Europa verdadeiramente regeneradora nestes tempos cada vez mais sombrios da história do que lutar pela nossa agriCULTURA comum?
“Curar os nossos solos significa curar a nossa história, o nosso presente e o nosso futuro.”
Valiana Akejandra Aguilar Hernández, Co-fundadora do Suumil Móokt‘áan Collective (México), agricultora e apicultora maia
História e origem da Política Agrícola Comum
A Política Agrícola Comum é uma das políticas mais importantes e antigas da União Europeia. As suas raízes remontam ao pós-II Guerra Mundial, quando a Europa enfrentava memórias profundas de escassez alimentar. Para evitar novas crises desta natureza, os fundadores das Comunidades Europeias fizeram do apoio à agricultura um pilar central da integração. O artigo 39.º do Tratado de Roma (1957), estabeleceu objetivos claros: aumentar a produtividade agrícola, garantir rendimentos justos para os e as agricultoras, estabilizar os mercados, garantir o abastecimento alimentar e proporcionar preços razoáveis aos e às consumidoras.
O primeiro quadro da PAC foi acordado em 1960, embora os debates sobre preços, financiamento e a sua implementação tenham continuado durante anos. Apesar das disputas internas, a vontade política prevaleceu e a Europa comprometeu-se com um sistema de preços garantidos, proteção do mercado (e subsídios para incentivar a exportação de excedentes para o exterior). As taxas de importação protegiam os e as agricultoras da concorrência global barata, enquanto lhes garantia preços mínimos (chamados “preços garantidos”) para culturas de rendimento4 específicas se o preço de mercado fosse inferior a esse valor. No início, o apoio ao rendimento dos e das agricultoras era indireto — através de preços elevados dos produtos — em vez de pagamentos diretos (isto é, subsídios), que eram considerados demasiado complexos e dispendiosos.
Deste modo, foi-se incentivando a especialização, a capitalização e a concentração, o que levou ao denominado efeito “treadmill”: processo que empurra os e as agricultoras para contraírem mais dívidas, ao tentarem atingir economias de escala e optarem por mais intensificação sintética. Como consequência, vemos a falência de cada vez mais explorações agrícolas, maior dependência, e piores condições da saúde humana, animal e do Planeta.
4 NT: em inglês “cash crops”, expressão que denomina as culturas agrícolas cujo cultivo tem como objetivo principal criar diretamente rendimento ou lucro, e não alimentar seres humanos. São, regra geral, cultivadas de forma intensiva.
A PAC na arena global: conflito com os EUA
Desde o início, a PAC não foi apenas um projeto europeu, mas também um ponto nevrálgico geopolítico. Desde a década de 1940, a estratégia comercial dos EUA baseou-se no domínio global das exportações de petróleo e cereais. Washington desencorajava ativamente outras regiões de se tornarem autossuficientes em cereais, pressionando-as a comprar os excedentes americanos, tornando-as, assim, dependentes. O surgimento de uma política agrícola europeia que buscava a autossuficiência, tornou-se uma ameaça direta aos interesses dos EUA.
Quando a Comunidade Económica Europeia (CEE) lançou a PAC, na década de 1960, esta rapidamente se tornou uma das políticas mais bem-sucedidas do bloco: a Europa passou da escassez alimentar a grande exportadora agrícola. Para a França e a Alemanha, isto representou tanto um triunfo económico quanto uma ferramenta diplomática para a Europa. Mas, para os Estados Unidos, significou a perda de mercados de cereais lucrativos e de poder de negociação. A diplomacia dos EUA respondeu promovendo estruturas comerciais rivais, como a EFTA – Associação Europeia de Comércio Livre, da Noruega, Islândia, Suíça e outros – e fazendo lobby contra os subsídios da PAC. A “guerra agrícola” transatlântica tornou-se uma fonte recorrente de tensão nas negociações comerciais ao longo das décadas de 60 e 70.
Festa camponesa (“Feiernde Bauern”), artista desconhecido, séc. XVIII ou XIX

Casamento Camponês, Pieter Brueghel the Elder, 1567 ou 1568
Estas ações geopolíticas ressurgiram nas últimas décadas. A Ucrânia, com os seus solos famosos pela fertilidade, tornou-se uma nova frente nesta luta pelo poder agrícola. Empresas e investidores norte-americanos — incluindo grandes empresas como a BlackRock — adquiriram grandes extensões de terras agrícolas ucranianas. Procuram o acesso aos mercados da UE sem tarifas aduaneiras, especialmente depois que a guerra restringiu as exportações da Ucrânia através Mar Negro. Mas os e as agricultoras europeias, particularmente na Polónia, veem isto como uma ameaça existencial: os cereais ucranianos baratos prejudicam os seus meios de sustento. Sem as proteções fortes da PAC, os/as agricultores/as temem ser prejudicados/as pela agricultura industrial apoiada pelos EUA que opera em solo ucraniano. Nesse sentido, os debates atuais sobre a adesão da Ucrânia à UE fazem eco do meio século de conflitos entre os EUA e a UE sobre cereais e sobre política agrícola.
O “Acordo sobre Tarifas” entre Trump e von der Leyen, em agosto de 2025, foi o mais recente episódio dessa luta. O objetivo dos EUA é abrir o mercado europeu a produtos alimentares americanos com padrões de qualidade inferiores aos dos produtos europeus. Conforme declarado neste comunicado publicado pela Casa Branca: “Os Estados Unidos e a União Europeia pretendem trabalhar em conjunto para eliminar as barreiras não tarifárias que afetam o comércio de produtos alimentares e agrícolas, incluindo a simplificação dos requisitos relativos aos certificados sanitários para a carne de suíno e os produtos lácteos dos EUA.”
Evolução da PAC
Na década de 80, o sucesso da Europa em termos de aumento da produtividade agrícola transformou-se num problema de sobreprodução. Os excedentes criaram “montanhas de manteiga” e “lagos de vinho”, aumentando os custos para os e as contribuintes e suscitando preocupações ambientais. Isto levou às reformas históricas de MacSharry, em 1992: os preços garantidos foram reduzidos e os/as agricultores/as passaram a receber pagamentos diretos ao rendimento. Esta mudança marcou o início da transformação da PAC, que passou da gestão do mercado para o apoio ao rendimento. A década de 2000 trouxe novas mudanças. A “Agenda 2000” introduziu o sistema de dois pilares:
1. Pagamentos diretos aos e às agricultoras
2. Medidas de desenvolvimento rural para apoiar objetivos ambientais e sociais mais amplos.
Reformas posteriores acrescentaram requisitos “ecológicos”, vinculando os pagamentos a práticas ambientais. No entanto, estas mudanças têm sido, em grande medida, insuficientes: os subsídios ainda fluem principalmente para os grandes proprietários de terras, enquanto os/as pequenos/as agricultores/as — os e as que mais dependem deste apoio — enfrentam dificuldades. Em 2017, 80% dos pagamentos da PAC foram para apenas 20% das explorações agrícolas e, apesar das condições de acesso aos apoios obrigarem a algumas boas práticas agrícolas e ambientais, uma quantidade mínima teve um efetivo impacte positivo no ambiente.
A história da PAC revela dois grandes objetivos:
• Internamente, otimizar a produtividade, a equidade e a sustentabilidade entre os diversos Estados-Membro e entre diferentes sistemas agrícolas.
• Externamente, defender a independência agrícola da Europa contra o domínio dos cereais dos EUA e, atualmente, contra a agricultura industrial apoiada pelos EUA na Ucrânia.
Desde a insegurança do pós-guerra, na sua génese, até às tensões modernas com o neoimperialismo, a PAC tem sido tanto um escudo para os interesses dos povos europeus como uma ferramenta para beneficiar os e as grandes proprietárias de terras e as empresas agroalimentares da Europa, à custa das pessoas e do Planeta, tanto interna como externamente.


O orçamento europeu é constituído por contributos dos países da União Europeia. Cerca de 1/3 do orçamento vai para a Política Agrícola Comum
A PAC está dividida em dois pilares. Em Portugal, cerca de 48% desta despesa pública vai para o primeiro pilar para os apoios por área, que tendem a funcionar como rendas fundiárias (para quem tem grande propriedade rural).
A Política Agrícola Comum hoje
A governação da PAC encontra-se num impasse político. Diferentes narrativas — como a “intensificação sustentável”, a “agricultura biológica” ou a “soberania alimentar” — apontam em direções diferentes. Isto conduz, frequentemente, a compromissos que não satisfazem ninguém de forma plena, deixando os e as agricultoras frustradas e os e as cidadãs céticas. Os recentes protestos dos/das agricultores/as em toda a Europa refletem esta tensão: os e as agricultoras querem melhores rendimentos, enquanto a sociedade exige mais responsabilidade ambiental.
Ao mesmo tempo, os e as cidadãs continuam a considerar a agricultura importante e acreditam que os e as agricultoras merecem um apoio justo. À PAC é destinado cerca de um terço do orçamento da UE e esta política tem impactos no uso do solo em 40% do território europeu. Isto confere-lhe um enorme poder para moldar os sistemas alimentares, os ecossistemas e as sociedades rurais. Porém, apesar de ter objetivos de sustentabilidade há 30 anos, a PAC não conseguiu fazer com que a agricultura passasse de uma trajetória de degradação para uma trajetória de regeneração.
Continua a ser vital para a alimentação, para os e as agricultoras e as zonas rurais, mas deve ser urgentemente reorientada para um modelo que proporcione alimentos saudáveis, rendimentos justos aos e às agricultores/as e ecossistemas restaurados. Sem uma reforma estrutural, corre o risco de não cumprir o seu objetivo neste século: garantir um sistema agrícola estável e justo que funcione não só para os mercados, mas também para as pessoas e para o Planeta.

2% do número de beneficiários (do primeiro pilar) da PAC recebe mais de um terço do total; ao extremo oposto, o das pequenas explorações, que correspondem a cerca de 90% dos beneficiários, cabe menos de um terço” (Fonte: Cordovil, F. Agricultura e Política Agrícola. Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, I.P., 2021)
Repensar a PAC para um modo de vida diferente
A PAC é frequentemente vista como uma gigantesca máquina de subsídios e de regras. Mas, na sua essência, foi concebida para garantir que os e as agricultoras pudessem ganhar a vida, que os alimentos fossem acessíveis e que a Europa nunca mais voltasse a enfrentar a fome dos anos do pós-guerra. Hoje, os desafios são diferentes: alterações climáticas, degradação do solo e envelhecimento da população agrícola. É improvável que as fundações jurídicas e políticas da PAC possam ser totalmente reescritas, mas os objetivos consagrados nos diferentes Tratados da UE podem ser interpretados para responder às necessidades atuais — se passarmos do simples pagamento de subsídios para recompensas por resultados reais para os e as agricultores, as pessoas e o Planeta.
Cinco objetivos, reimaginados
Produtividade já não significa apenas produzir mais trigo ou leite. Trata-se de produzir mantendo os solos vivos, os polinizadores a zumbir e os ecossistemas resilientes. Em toda a Europa, muitos/as agricultores/as já estão a provar que as práticas regenerativas5 e agroecológicas podem aumentar os rendimentos, reduzindo simultaneamente o uso de fertilizantes e pesticidas caros. A PAC poderia ajudar pagando aos e às agricultoras não só pelo que cultivam, mas também pela saúde dos seus solos e culturas.
A PAC sempre prometeu padrões de vida justos, mas muitos/as agricultores/as ainda se confrontam com rendimentos baixos e instáveis. Os e as trabalhadoras sazonais enfrentam condições precárias e as gerações mais jovens estão a abandonar completamente a agricultura. A PAC deve enfrentar essas desigualdades de frente, tornando a agricultura uma profissão respeitada e bem remunerada, capaz de atrair novos agricultores, mulheres e famílias.
A estabilidade do mercado costumava significar controlo de preços e subsídios. Hoje, a verdadeira estabilidade vem da resiliência: menos dependência de insumos fósseis, melhor preparação para condições meteorológicas extremas e regras de concorrência mais justas. Os e as agricultoras precisam de confiança para planear o futuro, apoio para fazer transições e formação para se adaptarem a realidades em rápida mudança.
A disponibilidade de alimentos não depende apenas do volume de alimentos produzido. Depende de solos saudáveis, agroecossistemas prósperos e cadeias alimentares locais fortes que ligam os e as agricultoras aos e às consumidoras. Num mundo em que as rotas de abastecimento estão perturbadas, sistemas regionais resilientes são a melhor garantia de que as mesas da Europa continuam cheias.
Um tractor, Sérgio Godinho
A acessibilidade dos preços da comida é ameaçada quando a concentração das cadeias de abastecimento e a volatilidade dos rendimentos fazem aumentar os custos. A recente inflação dos preços dos alimentos tornou isso dolorosamente claro. A PAC deve ajudar a proteger as pequenas e médias empresas do setor agroalimentar, travar o poder injusto do “mercado” e apoiar práticas agrícolas sustentáveis, para que os alimentos de boa qualidade continuem acessíveis a todas as pessoas.
Três princípios simples poderiam orientar esta reestruturação:
• O contexto local importa: a agricultura funciona com base em princípios comuns, mas é infinitamente diferenciada ao nível local
• Apoiar os percursos: cada agricultor/a está numa fase diferente. A PAC deve recompensar as suas trajetórias ano a ano, e não apenas práticas fixas.
• Pensar na macro-escala: a agricultura não se resume apenas à alimentação. Está ligada à paz, à segurança, à estabilidade climática e à saúde pública. Ignorar essas ligações é arriscado, dispendioso e fomenta a dependência.
A próxima grande reforma da PAC, prevista para 2027/28, poderá ser o ponto de viragem. Os Estados-Membro deverão ganhar mais liberdade na forma como gastam os fundos desta política, o que cria oportunidades para ações ousadas. Mas, se os e as legisladoras nacionais forem ainda mais reativos/as e conservadores/as do que os e as de Bruxelas, esta mudança poderá conduzir a mais retrocessos e impasses na transformação agrícola, com os países a tentarem competir através de regulamentações nacionais que atraiam mais investimentos. Em vez de apenas compensar os/as agricultores/as pela perda de rendimentos, os pagamentos poderiam recompensar resultados positivos: solos mais saudáveis, maior biodiversidade, maior resiliência climática.
O apoio ao rendimento também poderia ser reformulado de modo a impulsionar jovens agricultores, mulheres, pequenos/as agricultores/as e agricultores/as familiares, e, simultaneamente, incentivando as explorações agrícolas maiores a adotarem sistemas regenerativos. Formação, aconselhamento e partilha de conhecimento serão essenciais para que os e as agricultoras estejam preparados/as para enfrentar os riscos climáticos e as mudanças nos mercados.
5 Por sistemas agrícolas regenerativos intende-se o conjunto de práticas agrícolas que promovem a regeneração de solos agrícolas e dos ecossistemas como um todo.
6 NT: Os indicadores mencionados são usados no reporte à Comissão Europeia. Estes são sobretudo de execução e não de resultados, mensurando, basicamente, se o dinheiro foi gasto nas medidas que foram definidas, sem permitir medir os impactes.
Por fim, um sistema de indicadores6 mais justo e baseado no desempenho das práticas agrícolas associaria a aplicação de fundos públicos a melhorias mensuráveis. Isso também permitiria aos e às agricultoras “acumular” pagamentos de diferentes fontes — públicas e privadas — para que a regeneração dos ecossistemas se tornasse um caminho totalmente seguro e financeiramente viável.
Durante décadas, a PAC tem sido simultaneamente uma rede de segurança e um para-raios. Agora, tem a oportunidade de se tornar algo mais: o motor mais poderoso para uma forma regeneradora da restruturação europeia.
A PAC continua a ter um potencial imenso como alavanca mais forte para uma mudança sistémica. Ao reinterpretar os seus objetivos através de uma lente regeneradora e centrada nos agricultores e agricultoras, pode:
• Garantir o abastecimento alimentar,
• Assegurar meios de subsistência justos,
• Restaurar os ecossistemas,
• Regenerar a saúde
• Reinjetar confiança nos sonhos de autogoverno dos povos europeus.

